segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

As Causas Imediatas

Os antecedentes destes esforços recentes de uma jurisdição penal internacional remontam às antigas comissões internacionais ad hoc de investigação (a partir de 1919) e sobretudo aos célebres Tribunais de Nuremberga (instituído em Agosto de 1945, com o acordo de Londres) e de Tóquio (instituído em Janeiro de 1946) que visaram, respectivamente, a incriminação e julgamento dos dirigentes alemães e japoneses.

Neste rescaldo da Segunda Guerra Mundial, é avançada na Conferência de Paris (Outubro/1946), a ideia da criação de um tribunal internacional associada a legislação que proíba crimes contra a Humanidade de modo a impedir repetições do passado recente.

Em 11 de Dezembro de 1946, a resolução n. 95/1 da Assembleia-geral das Nações Unidas, declarou que os princípios aplicados pelo Tribunal de Nuremberga faziam parte do Direito Internacional Geral ou Comum.

Exorta também a comissão de codificação de direito internacional para a urgência de uma codificação geral que preveja os crimes contra a paz e contra a segurança da Humanidade ou mesmo um Tribunal penal internacional, que receba também os ensinamentos de Nuremberga.

Em 1948, avança-se com um estudo sobre a criação de um tribunal penal internacional e adopta-se a Convenção para a prevenção e punição do crime de genocídio. Todavia, a Guerra-fria impediu o desenvolvimento das conclusões do estudo da ONU que preconizava extrema urgência na criação de uma instância internacional de carácter penal.

No ano seguinte (1949), é aprovada em Genebra, a 4ª Convenção, que reviu as três anteriores – 1864, 1906, 1929 – e acrescentou a matéria da protecção dos civis em período de guerra.

No dia 26 de Novembro de 1968, foi aprovada a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade.

No dia 3 de Dezembro de 1973, é aprovado pela Assembleia-geral das Nações Unidas, a Resolução 3073 (XXVIII) que fixa os princípios da Cooperação Internacional na Identificação, Detenção, Extradição e Punição dos Culpados por Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade.

A ONU retoma em 1989, a ideia do Tribunal Penal Internacional, nessa esteira observa-se em 25 de Maio de 1993, a criação do Tribunal Criminal Internacional para a ex-Jugoslávia através da Resolução n.° 827 (1993).

Pouco mais de um ano passado, mais concretamente em 8 de Novembro de 1994, através da Resolução n.° 955 (1994), a ONU, estabelece o Tribunal Criminal Internacional para o Ruanda.

Refira-se também o caso da Serra Leoa, que igualmente conduziu à criação de um tribunal especial penal internacional, mas com traços particulares pois resulta de um acordo entre a ONU e o governo da Serra Leoa, de 16 de Janeiro de 2002, para julgar os conflitos após 30 de Novembro de 1996 e na sequência da Resolução nº 1315, de 14 de Agosto de 2000, do Conselho de Segurança (CS) que mandatou o Secretário-Geral para negociar um acordo para esse objectivo.

Essas duas instâncias (não se abrange pelos factos aduzidos o caso do Tribunal para a Serra Leoa), que visaram julgar os crimes cometidos, no âmbito dos conflitos em causa, foram criadas, não por um tratado internacional, como o TPI, mas sim por decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas, sob a égide do capítulo VII da Carta das Nações Unidas (ameaças à paz e segurança internacionais), o que torna as suas normas obrigatórias para todos os Estados.

Em 1994, a Assembleia-geral da ONU aprecia uma proposta de um Tribunal que julgue casos de genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

As Causas Mediatas (Perspectivas Políticas)

O Século XX, foi já considerado o século negro da Humanidade. Desde os conflitos que levaram à Primeira Grande Guerra Mundial, passando pela Segunda Guerra Mundial, até ao rescaldo da Guerra-fria, não olvidando toda uma gama de conflitos regionais, o século XX foi o mais sangrento da História do Homem.

Apesar, destes factos insofismáveis, de total falhanço da eficácia internacional dos Direitos Humanos, a dificuldade de se instituir um instrumento imprescindível na efectivação da coercibilidade destas normas resultava à saciedade.

Pelo que foram vários os motivos subjacentes ao implodir das resistências (e que ainda resistem) das estruturas anquilosadas que regeram nos últimos séculos as relações internacionais.

Entre eles, vislumbram-se o fim da Guerra-fria, que tornou menos densificados os respectivos alinhamentos ideológicos e inerentes belicismos, que bloqueavam a evolução do Direito Internacional; a globalização e o mundo plano; a carência de coordenações internacionais perante ameaças de “inimigos” não identificáveis como actores estatais v.g. o problema do terrorismo praticado pela Al-Qaeda; o deflagrar de inúmeros conflitos locais e regionais em virtude do fim dos “blocos”, etc.

Perante isto, a consciência da necessidade de pôr fim à impunidade generalizada, impulsionou uma Justiça penal internacional firme, independente e permanente que se justifica para tentar arrepiar caminho do paradoxo – maior desenvolvimento económico e tecnológico, infelizmente resultaram em mais conflitos –, além, de ser um grande passo em direcção da universalidade dos Direitos Humanos e do respeito do direito internacional, sem esquecer o reafirmar do princípio da responsabilidade penal internacional do indivíduo.

Contudo, a sua implementação tem tido bastantes bloqueios, em razão da forma como os Estados se colocam no “tabuleiro” das relações internacionais.

Com efeito, três séculos se passaram entre os Tratados de Paz de Westfália – Tratados, que em 24 de Outubro de 1648 puseram termo à Guerra dos Trinta anos – e a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, onde o predomínio das soberanias estaduais e a exclusão dos indivíduos não foram capazes de evitar as violações de direitos humanos, como o Holocausto, os gulags, os massacres, os extermínios, v.g. os casos da ex-Jugoslávia, Cambodja e Ruanda.

Desta forma, foi a seguir à II Guerra Mundial, que se impulsionou verdadeiramente a protecção internacional dos direitos do homem, alçando-se ao plano do Direito Internacional a defesa das posições jurídicas subjectivas de cada pessoa humana, contra o Estado e contra todas as outras manifestações de poder.

Em termos de correntes doutrinárias de Direito Internacional, o TPI é também espelho de um certo retorno ao jusnaturalismo – onde se distinguiram como autores do desenvolvimento da sua sistematização, os Professores LOUIS LE FUR e ALFRED VERDROSS –, ao colocar os interesses da pessoa humana no cerne do direito internacional, abandonando-se gradualmente a concepção clássica de soberania em que a vontade dos Estados era lei suprema.

Todas estas mutações são causa de uma maior carência na busca da Justiça, que é a realização primeira do Direito. E pensar o sistema de Justiça – nele incluindo o sistema Judicial – é pensar o Homem e a inerente defesa dos direitos que é titular.

Estranho seria o seu contrário, até porque como afirma PAULO OTERO “A Justiça, enquanto valor, traduzindo o fim primeiro do Direito e o critério último de orientação teleológica da acção decisória pública, não se pode dizer que atravesse qualquer crise: a Justiça continua a ser uma aspiração, um propósito e um elemento axiológico da moderna sociedade”.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Introdução I

O fim da História, transportou-nos directamente para o tempo das contradições entre o velho soberanismo/estatismo e o novo comunitarismo/universalismo.

Contradições que baptizaram o nascimento do TPI e lhe marcam a sua pueril idade. Como traça Delmas – Marty, vivemos “uma espécie de grande desordem”, em que os sistemas de direito nacionais transbordaram e se tornaram impotentes.

Os antigos modelos já não funcionam e palavras como ordem e sistema parecem inadaptadas às práticas actuais. É preciso imaginação para construir “uma nova representação mental do Direito”

E a velha aspiração da justiça internacional na área criminal, que finalmente começa a emergir, deve ser analisada objectivamente tendo como paradigma associado a constatação que se trata de algo enxertado nos interstícios do tempo e que por tal lhe molda indelevelmente a sua natureza de compromisso e imperfeição.

Compromisso, entre uma Era marcada pela figura do Estado, com o dogma da sua soberania e do seu ius puniendi, enquanto pertença absoluta da soberania estadual e outra Era, que ainda não se concretizou, com tudo o que isso traz, simultaneamente de incerteza e possibilidades.

E imperfeição, já que imbricada com o compromisso, vem uma situação de mínimo denominador comum e de realismo político, já que muitas das soluções preconizadas pelo Estatuto do TPI, não são as idealmente desejadas, são as possíveis, daí, também por aí, o toque de hibridismo no seu conteúdo.

Mas para tentar trilhar os novos caminhos, principalmente num seu aspecto parcelar – a complementaridade – é necessário, ex ante, compreender o quadro das razões que desencadearam este projecto e a temporalidade associada ao mesmo, tendo como sobreaviso o ensinamento do filósofo espanhol George Santayana que “Quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo”.

E incontornavelmente, as razões são políticas e jurídicas.